quarta-feira, 17 de abril de 2013

A pipoca


Rubem Alves

A culinária me fascina. De vez em quando eu até me até atrevo a cozinhar. Mas o fato é que sou mais competente com as palavras do que com as panelas.

Por isso tenho mais escrito sobre comidas que cozinhado. Dedico-me a algo que poderia ter o nome de "culinária literária". Já escrevi sobre as mais variadas entidades do mundo da cozinha: cebolas, ora-pro-nobis, picadinho de carne com tomate feijão e arroz, bacalhoada, suflês, sopas, churrascos.

Cheguei mesmo a dedicar metade de um livro poético-filosófico a uma meditação sobre o filme A Festa de Babette que é uma celebração da comida como ritual de feitiçaria. Sabedor das minhas limitações e competências, nunca escrevi como chef. Escrevi como filósofo, poeta, psicanalista e teólogo — porque a culinária estimula todas essas funções do pensamento.

As comidas, para mim, são entidades oníricas.

Provocam a minha capacidade de sonhar. Nunca imaginei, entretanto, que chegaria um dia em que a pipoca iria me fazer sonhar. Pois foi precisamente isso que aconteceu.

A pipoca, milho mirrado, grãos redondos e duros, me pareceu uma simples molecagem, brincadeira deliciosa, sem dimensões metafísicas ou psicanalíticas. Entretanto, dias atrás, conversando com uma paciente, ela mencionou a pipoca. E algo inesperado na minha mente aconteceu. Minhas idéias começaram a estourar como pipoca. Percebi, então, a relação metafórica entre a pipoca e o ato de pensar. Um bom pensamento nasce como uma pipoca que estoura, de forma inesperada e imprevisível.

A pipoca se revelou a mim, então, como um extraordinário objeto poético. Poético porque, ao pensar nelas, as pipocas, meu pensamento se pôs a dar estouros e pulos como aqueles das pipocas dentro de uma panela. Lembrei-me do sentido religioso da pipoca. A pipoca tem sentido religioso? Pois tem.

Para os cristãos, religiosos são o pão e o vinho, que simbolizam o corpo e o sangue de Cristo, a mistura de vida e alegria (porque vida, só vida, sem alegria, não é vida...). Pão e vinho devem ser bebidos juntos. Vida e alegria devem existir juntas.

Lembrei-me, então, de lição que aprendi com a Mãe Stella, sábia poderosa do Candomblé baiano: que a pipoca é a comida sagrada do Candomblé...

A pipoca é um milho mirrado, subdesenvolvido
.

Fosse eu agricultor ignorante, e se no meio dos meus milhos graúdos aparecessem aquelas espigas nanicas, eu ficaria bravo e trataria de me livrar delas. Pois o fato é que, sob o ponto de vista de tamanho, os milhos da pipoca não podem competir com os milhos normais. Não sei como isso aconteceu, mas o fato é que houve alguém que teve a idéia de debulhar as espigas e colocá-las numa panela sobre o fogo, esperando que assim os grãos amolecessem e pudessem ser comidos.

Havendo fracassado a experiência com água, tentou a gordura. O que aconteceu, ninguém jamais poderia ter imaginado.

Repentinamente os grãos começaram a estourar, saltavam da panela com uma enorme barulheira. Mas o extraordinário era o que acontecia com eles: os grãos duros quebra-dentes se transformavam em flores brancas e macias que até as crianças podiam comer. O estouro das pipocas se transformou, então, de uma simples operação culinária, em uma festa, brincadeira, molecagem, para os risos de todos, especialmente as crianças. É muito divertido ver o estouro das pipocas!

E o que é que isso tem a ver com o Candomblé? É que a transformação do milho duro em pipoca macia é símbolo da grande transformação porque devem passar os homens para que eles venham a ser o que devem ser. O milho da pipoca não é o que deve ser. Ele deve ser aquilo que acontece depois do estouro. O milho da pipoca somos nós: duros, quebra-dentes, impróprios para comer, pelo poder do fogo podemos, repentinamente, nos transformar em outra coisa — voltar a ser crianças! Mas a transformação só acontece pelo poder do fogo.

Milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho de pipoca, para sempre.

Assim acontece com a gente. As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo. Quem não passa pelo fogo fica do mesmo jeito, a vida inteira. São pessoas de uma mesmice e dureza assombrosa. Só que elas não percebem. Acham que o seu jeito de ser é o melhor jeito de ser.

Mas, de repente, vem o fogo. O fogo é quando a vida nos lança numa situação que nunca imaginamos. Dor. Pode ser fogo de fora: perder um amor, perder um filho, ficar doente, perder um emprego, ficar pobre. Pode ser fogo de dentro. Pânico, medo, ansiedade, depressão — sofrimentos cujas causas ignoramos.Há sempre o recurso aos remédios. Apagar o fogo. Sem fogo o sofrimento diminui. E com isso a possibilidade da grande transformação.

Imagino que a pobre pipoca, fechada dentro da panela, lá dentro ficando cada vez mais quente, pense que sua hora chegou: vai morrer. De dentro de sua casca dura, fechada em si mesma, ela não pode imaginar destino diferente. Não pode imaginar a transformação que está sendo preparada. A pipoca não imagina aquilo de que ela é capaz. Aí, sem aviso prévio, pelo poder do fogo, a grande transformação acontece: PUF!! — e ela aparece como outra coisa, completamente diferente, que ela mesma nunca havia sonhado. É a lagarta rastejante e feia que surge do casulo como borboleta voante.

Na simbologia cristã o milagre do milho de pipoca está representado pela morte e ressurreição de Cristo: a ressurreição é o estouro do milho de pipoca. É preciso deixar de ser de um jeito para ser de outro.

"Morre e transforma-te!" — dizia Goethe.

Em Minas, todo mundo sabe o que é piruá. Falando sobre os piruás com os paulistas, descobri que eles ignoram o que seja. Alguns, inclusive, acharam que era gozação minha, que piruá é palavra inexistente. Cheguei a ser forçado a me valer do Aurélio para confirmar o meu conhecimento da língua. Piruá é o milho de pipoca que se recusa a estourar.

Meu amigo William, extraordinário professor pesquisador da Unicamp, especializou-se em milhos, e desvendou cientificamente o assombro do estouro da pipoca. Com certeza ele tem uma explicação científica para os piruás. Mas, no mundo da poesia, as explicações científicas não valem.

Por exemplo: em Minas "piruá" é o nome que se dá às mulheres que não conseguiram casar. Minha prima, passada dos quarenta, lamentava: "Fiquei piruá!" Mas acho que o poder metafórico dos piruás é maior.

Piruás são aquelas pessoas que, por mais que o fogo esquente, se recusam a mudar. Elas acham que não pode existir coisa mais maravilhosa do que o jeito delas serem.

Ignoram o dito de Jesus: "Quem preservar a sua vida perdê-la-á".A sua presunção e o seu medo são a dura casca do milho que não estoura. O destino delas é triste. Vão ficar duras a vida inteira. Não vão se transformar na flor branca macia. Não vão dar alegria para ninguém. Terminado o estouro alegre da pipoca, no fundo a panela ficam os piruás que não servem para nada. Seu destino é o lixo.

Quanto às pipocas que estouraram, são adultos que voltaram a ser crianças e que sabem que a vida é uma grande brincadeira...

"Nunca imaginei que chegaria um dia em que a pipoca iria me fazer sonhar. Pois foi precisamente isso que aconteceu".

 
 
Foi solicitado pela profª Rita Stano uma comparação, um repensar sobre Currículo em comparação com o texto "Pipoca" de Rubem Alves e contextos discutidos na aula do dia 12 de abril com embasamento no texto apresentado por Zaqueu e eu.

Sendo assim, faço agora minhas colocações:

"Nunca imaginei que chegaria um dia em que a pipoca iria me fazer sonhar. Pois foi precisamente isso que aconteceu".

Faço das últimas palavras do autor, as minhas primeiras... Que texto maravilhoso, que conteúdo cheio de significações, isso por causa se uma simples PIPOCA, veja só, como são belos os pensamentos de um poeta que consegue transformar coisas simples em coisas tão grandiosas!

A profª Rita fez a seguinte pergunta na aula passada: "Quem define qualidade e eficiência?", agora atrevo-me a responder com base neste texto que somos NÓS, pois compete a nós passar pelo fogo do entusiasmo, da alegria, da vontade de transformar nosso ensino em PIPOCAS branquinhas, bonitas, saborosas e temperadas ao nosso gosto, pois ensino é isso, é querer acrescentar sabor naquilo que estamos passando aos nossos alunos, e querer que eles desejem pipocas como as crianças. Mas pensemos, quase ninguém come pipoca sozinho, sempre há pessoas por perto partilhando deste alimento, como por exemplo, em festas de aniversários ou assistindo a um bom filme.

Sendo assim, faço minhas comparações, a pipoca (o conhecimento) tem que ser partilhado, o sabor da pipoca (nosso entusiasmo) tem que ser apreciado por alunos e colegas professores dentro da instituição de ensino, os piruás (preguiça, desânimo, mesmice) tem que ser desprezados, pois não tem utilidade e ninguém deseja. Deve ser assim também com o currículo aplicado nas escolas, eles tem que ser como as pipocas, que se modificam quando algo as estimulam, e que sejamos nós os estimuladores de um currículo melhor e mais eficaz no processo ensino-aprendizagem.


 

Na aula do dia 05 de abril de 2013 iniciou-se as apresentações dos textos distribuídos pela profª Rita Stano, o texto de Glenia e Rozana "Há Polissemia", juntamente com o vídeo "Os perigos de uma história única" e as colocações realizadas pela profª e colegas trouxeram muitos contextos importantes e enriquecedores à prática do ensino e novos conceitos sobre Currículo.

Pude entender que o termo currículo é um termo polissêmico,pois este veicula uma noção sujeita à ambiguidade e diversidade de sentidos, o autor LLAVADOR (1994), traz que “a palavra currículo engana-nos porque nos faz pensar numa só coisa, quando se trata de muitas simultaneamente e todas elas inter-relacionadas”, o que me faz lembrar das palavras da nigeriana do vídeo, que diz que manter uma única história é fazer com que esta não tenha outras que estão ocultas ao conhecimento de todos. O vídeo e o texto deixa claro que não podemos manter uma única ideia sobre um fato, situação ou condição, as coisas tende a mudar conforme a realidade em que vivemos e existimos. Novas necessidades de mudanças surgem para fazermos o melhor ao próximo e à sociedade.
 


Neste mesmo dia, os colegas Dessano e Lourdes apresentaram o texto "ENTRE O MITO DO “BOM SELVAGEM” E O PROCESSO DA EDUCAÇÃO RACIONAL, NA INTERLIGAÇÃO DO CURRÍCULO COM AS FINALIDADES EDUCATIVAS", onde o autor Moreira da Silva apoiado pelas referências de krishnamurti traz ideias que nos faz pensar o quanto as práticas do ensino e as pessoas envolvidas neste cenário estão vivenciando frequentemente falhas e comodismo, sendo assim, o autor aponta para reflexão os seguintes tópicos:

* Educar o Educador;

* Desenvolver no educador a "inteligência de educar";

* Incutir no educador hábitos de interrogação constante;

* Assumir a educação no sentido mais profundo;

* Levar o educador a encarar positivamente o educando.

 

Concordo com o jornalista Alexandre Garcia que em um texto diz "já não somos os bons selvagens da utopia do século 18. Perdemos o adjetivo" e por quê o perdemos? Porque o termo "o bom selvagem" utilizado por Rousseau como "o homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe" e que compara romanticamente o cidadão civilizado e corrupto com o índio que a seu modo de ver seria selvagem, mas pacífico e vivia feliz e contente sem luxo nenhum, ou seja, esse mito pode ser comparado a uma criança que é pura, mas que depois se torna ambiciosa (por causa da sociedade competitiva e da propriedade privada) dando assim origem a problemas sociais.

Podemos acrescentar a este contexto além dos problemas sociais, os educacionais, que caberá ao educar a tentativa de modificação e resgate de "crianças, jovens, adultos..." para uma educação que agora é racional.